sábado, 21 de maio de 2011

O kit anti-homofobia e as inverdades do ministro da Educação.

O ministro Fernando Haddad, da Educação, encontrou-se ontem com deputados católicos e evangélicos para conversar sobre o kit gay — também chamado “anti-homofobia” — que o governo federal pretende distribuir nas escolas. Uma comissão de parlamentares será formada para examinar o material. É a primeira vez que brasileiros não-gays estão sendo chamados a debater o assunto. Até havia pouco, a questão estava entregue apenas a ONGs estrangeiras e à militância gay, como se o público-alvo do programa não fosse o conjunto dos estudantes. Seja para discutir floresta, seja para discutir sexo, o Brasil parece um laboratório de teses de organizações estrangeiras, que se comportam como legítimas representantes do povo, embora não tenham sido eleitas por ninguém. Curiosamente, em seus países de origem, não conseguem aprovar algumas das propostas que tentam ver implementadas aqui — na floresta ou no sexo…

Haddad, um dos pré-candidatos do PT à Prefeitura de São Paulo, parece ter descoberto que precisa de voto caso seja o escolhido do partido para disputar o cargo, conforme gostaria Lula. Só com a simpatia dos meios de comunicação e dos homossexuais militantes, talvez não lograsse o seu intento. Aos congressistas, assegurou que filmes e cartilhas que circulam por aí ainda não são de responsabilidade do Ministério. Teria vazado das organizações contratadas para produzir o material. Conversa mole, e ele sabe disso muito bem. Pode ainda não ser o produto final, mas tudo foi elaborado sob o comando do governo federal.

Quem coordenou os trabalhos foi a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), órgão ligado ao MEC, mas quem se encarregou da produção propriamente foram a Global Alliance for LGBT Education (Gale), uma fundação holandesa; a Pathfinder do Brasil, associada à Pathfinder Iternational, dos EUA; a Reprolatina, entidade brasileira que trabalha em parceria com a Universidade de Michigan, e duas outras ONGs ligadas à miitância homossexual: a Ecos - Comunicação em Sexualidade e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.

Perceberam? A sexualidade das crianças brasileiras seria assunto importante demais para ficar sob o cuidado dos nativos — a menos que sejam gays. Isso lhes parece razoável? Infelizmente, Haddad está contando o oposto da verdade. O material vazou, sim, mas o MEC acompanhou tudo no detalhe. E é fácil provar.

No dia 31 de março, publiquei aqui o vídeo que segue abaixo. Reproduz parte da sessão da Comissão de Legislação Participativa da Câmara, ocorrida no dia 23 de novembro de 2010. Apresentou-se ali o tal material didático sobre homossexualidade. O destaque da sessão é a intervenção de André Lázaro, então secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC. Ao discutir um dos filmes que o ministério pretende exibir nas escolas, ele deixa claro que houve uma certa hesitação da equipe: “Até onde entrava a língua” num beijo lésbico. Essa era a única dúvida. As palavras são dele, como vocês podem ver, não minhas. Lázaro não está mais no Ministério da Educação. Agora ele é secretário executivo de Direitos Humanos da Presidência da República. Na sessão, também foi apresentado o filme em que um adolescente chamado José Ricardo diz ser, na verdade, “Bianca”. O vídeo é bem ruim, mas é bastante ilustrativo. ISSO PROVA A VERDADE DAS PALAVRAS DE HADDAD. Volto depois do vídeo. Se você já o viu, continue no texto.

Voltei
A Folha noticiou a reunião do ministro com os representantes do povo. Hélio Schwartsman, colunista do jornal, não gostou. É um senhor que costuma escrever coisas pertinentes, menos quando se deixa conduzir pelo dogmatismo anti-religioso. Como funcionário de uma obsessão, é capaz de dizer grandes besteiras. Num texto que mereceu a rubrica “Análise”, escreveu o que vai em vermelho. Comento em azul.

Chamar a bancada da Bíblia para discutir o conteúdo de um programa anti-homofobia só é uma boa idéia se o objetivo for não fazer nada.
Chamar os deputados católicos e evangélicos de “Bancada da Bíblia” revela o lado “Bolsonaro intelectualizado” de Schwartsman. É uma pecha, não uma expressão analítica. Seria o mesmo que chamar os parlamentares que defendem o material de “Bancada dos Veados”.

A democracia tem pegadinhas. Em tese não há nada mais democrático do que ouvir todos os envolvidos numa questão e tirar um consenso.
Mas, na prática, o método só funciona se não há desavença relevante, o que é raro.
É uma revolução no conceito de democracia, que o articulista propõe substituir, então, pelo “quem pode mais, chora menos”. A verdade é que não há impasse nenhum. Por que não se submete a questão ao crivo da sociedade? Com efeito, não há consenso. No caso do material didático, trata-se de uma minoria tentando impor sua vontade à maioria. Mas atenção para o grande momento do texto do articulista. Ele vai dividir o mundo, agora, em duas metades.

O problema é que a sociedade não é homogênea. Enquanto certos grupos, por razões que lhes parecem legítimas, como “seguir a palavra de Deus”, permanecem irredutivelmente homofóbicos, outros estão convictos de que é moralmente errado definir a cidadania de alguém por hábitos sexuais ou outras características incidentais, como a cor da pele e a própria fé.
Para Schwartsman, a única clivagem possível nesse debate se dá entre os “homofóbicos”, que “seguem a palavra de Deus”, e os iluminados, como ele, que acham “errado definir a cidadania de alguém por hábitos sexuais”. E quem acha isso certo? Ele descarta que possa haver não-homofóbicos que discordem da abordagem; ele descarta que possa haver homossexuais que repudiem a forma como se pretende fazer o debate nas escolas; ele descarta que possa haver agnósticos e ateus que igualmente rejeitem as escolhas do governo; ele descarta que possa haver simplesmente quem se oponha a esse grau de intromissão do estado na vida das famílias e dos indivíduos. Não é que ele seja especialmente simpático aos gays; é que ele é notoriamente hostil às religiões.

Muitos especialistas em educação antevêem, em debates privados, sérios dissabores em sala de aula quando o material chegar às mãos dos alunos. Há quem tema que preconceitos se exacerbem em razão da falta de habilidade daqueles que serão convertidos, da noite para o dia, em psicólogos e “teóricos da homoafetividade”. Quem já pisou numa sala de aula sabe como temas nessa natureza podem avançar facilmente para a piada e a chacota — no Brasil ou na Holanda. E por que esses especialistas silenciam? Porque temem a patrulha dos gays e da imprensa. Se Schwartsman, que tem janela, faz uma oposição tosca e populista (populismo junto aos descolados) como a que se lê acima, imaginem como agiriam aqueles bem menos espertos do que ele. Sigamos.

Impasses como esse, atrelados a princípios vistos como inegociáveis, só são solucionados através de decisões arbitrárias, que necessariamente estabelecem vencedores e perdedores.
Ou Schwartsman diz de quem será o “arbítrio”, ou terei de concluir que está com saudades da ditadura.

Idealmente, os casos mais emblemáticos seriam resolvidos no Parlamento. O problema aqui é que o próprio Congresso reflete, e de forma exagerada, as heterogeneidades sociais, de modo que é o primeiro a imobilizar-se diante de temas polêmicos.
Entendi. Ele acha que o problema do nosso Parlamento é ser representativo da sociedade — uma representatividade “exagerada”!!!

Nessas situações, é preciso que surjam autoridades do Executivo ou Judiciário que se disponham a enfrentar o ônus político da decisão, como o fez o STF, ao estender a casais homossexuais os efeitos da união estável.
O STF não enfrenta ônus político nenhum porque todos os que lá estão têm emprego garantido até os 70 anos e não dependem do voto de ninguém. O articulista nos dá mais uma lição de democracia: se o Congresso não resolveu, então que o Executivo e o Judiciário atuem. Segundo entendi, devem fazê-lo mesmo exorbitando de suas funções e surrupiando prerrogativas que são do outro Poder.

A democracia não tem o dom de eliminar o conflito da sociedade. Ela apenas procura discipliná-lo, de modo a que as disputas se resolvam por vias institucionais e não as de fato. Funciona, desde que não falte coragem para definir perdedores.
No caso do STF, que decidiu contra a letra explícita da Constituição, a “via institucional” consistiu em violar as instituições. Mas, admito, nesse caso, há espaço para algum debate. O que me encantou no desfecho do artigo de Schwartsman foi a conclusão — assim, meio blasé — de que, na democracia, alguém sempre perde.

Pois bem: digamos que ele estivesse certo naquela divisão que estabeleceu entre os “homofóbicos que crêem em Deus” (os homens maus) e os que não querem discriminar ninguém (os homens bons); digamos ainda que, sempre segundo os seus critérios, os “homens maus vençam”. A definição dos “perdedores”, nessa hipótese, continuaria no escopo da democracia, ou o articulista só classifica assim um regime quando vencem aqueles com os quais ele concorda?

Encerro
A isso chegamos. Schwartsman já escreveu textos respeitáveis na Folha — mesmo quando discordei, achei que a leitura valia a pena. Desta feita, ele preferiu não pensar; quis apenas ser o homem bom contra os homens maus. E chegou a conclusão que a democracia pode ser um obstáculo à realização do bem. É o que pensa qualquer tirano mais burro do que ele, mas com mais coragem para pôr em prática as idéias que ele enuncia.

Por Reinaldo Azevedo

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